segunda-feira, 19 de março de 2012

Capítulo 27 - Abismo

Evanescence - The Last Song I'm Wasting on You.MP3

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E eu sei, eu sei que terei que assistí-los ir embora
Simplesmente aguentar esse dia
Desista do seu caminho, você poderia ser qualquer coisa
Desistir do meu caminho e me perder, hoje não
É culpa demais pra carregar [...]
E me odeie se te faz sentir bem
Eu não consigo mais ouvir seus gritos 
(Evanescence - The Last Song I'm Wasting on You) 




No Aeroporto, nos despedir da Hevi foi muito complicado, eu a abracei,  me virei e fui em direção ao embarque. Eu não suporto despedidas, eu não sirvo pra isso, por isso muita das vezes eu demonstro ser fria, mas na verdade essa sou só eu dizendo que vou sentir tanto a sua falta que não consigo me despedir então eu só saio fingindo que nada aconteceu. Bizarro como em um segundo, com apenas uma frase toda a minha vida mudou, indo de complicado para um caos eminente - soltei um riso nervoso - tantas despedidas, tantas lágrimas, que ainda viriam e que já tinham sido derramadas... E depois de tudo isso só pude tirar uma conclusão, eu estou me tornando cada vez melhor em reprimir coisas ruins, como saudades, crises nervosas onde você chora de soluçar até não aguentar mais, o medo, e o pior de tudo a dor, a dor eu aprendi a confortá-la e congelá-la dentro de mim, eu confesso que ela tomou grande parte de mim, mas não há outro jeito se não aceitá-la, e reprimi-lá para o mais fundo que puder.

Quando chegamos no aeroporto, a mãe de Clara já estava esperando por nós, fomos direto para sua casa, a Aline minha irmãzinha estava dormindo, nós chegamos bem pela manhã, pude ver que a morte de minha mãe afetou claramente a mãe da Clara, afinal as duas eram melhores amigas desde a faculdade, olheiras se destacavam ao redor dos olhos claros e cansados dela. Porque a vida tem que ser feita de tantas perdas e "por quês?", tão complicada e complexa? eu sinceramente não entendia, e a essa altura não me importava mais encontrar qualquer resposta, eu fiz o que tinha que fazer, e agora tenho que seguir com a minha vida.

Quando entrei no quarto de Clara, meu coração se afundou ainda mais olhando para minha irmã deitada, tão frágil, tão machucada, seu rosto dormindo não era relaxado e tranquilo, era dolorido e assustado, e ver isso fez com que a dor que eu estava reprimindo quase viesse a tona, mas eu precisava ser forte, forte por ela, e pelo o que eu teria que enfrentar.
Fui me sentar na cama ao seu lado e beijei sua testa, ela se virou e me olhou, piscou várias vezes como se imaginasse que estava sonhando, e depois se jogou no meu colo.
- É você mesmo Cat? Você está mesmo aqui? - eu podia ouvir os soluços na sua voz, meu deus minha irmã estava quebrada, isso não era justo, ela não merecia uma dor desse tamanho na idade dela.
- Claro meu amor, eu estou aqui, agora relaxe está tudo bem, eu estou aqui e não vou partir mais, não vou sair do seu lado, agora somos eu e você. - Aline me abraçou ainda mais apertado e deitou sua cabeça sobre o meu ombro.

Eu acariciei seus cabelos, e cantei a canção de ninar que nossa mãe cantava para nós, depois de alguns minutos ela já estava dormindo de novo.
Depois de botá-la na cama, tomei um banho, arrumei minhas coisas no quarto de hóspedes onde eu iria dormir com a Clara, achamos melhor deixar o quarto dela para minha irmã, ela vivia tanto na casa da Clara quanto eu, e pensamos que seria bom que ela dormisse em um lugar familiar, onde ela se sentisse bem, e estivesse acostumada.

Eu não quis almoçar, não estava com fome, fui para parte de trás da casa, me sentando no quintal da Clara, para olhar o céu, estava nublado.
Depois de alguns minutos, me vi reconhecendo rostos nas nuvens e desviei os olhos no mesmo instante, eu sabia que rosto veria constantemente se continuasse, e eu estava reprimindo ele também, principalmente ele.

Aline se aproximou e se deitou do meu lado.

- Tudo bem? - ela se aconchegou, deitando em cima da minha barriga.
- Tudo e como você ta Aline? - eu perguntei, alisando seu cabelo.
- Eu adoro o tempo nublado, cinza é uma cor bonita - ela disse, desconversando o assunto anterior.
- Aline?
- Sim?
- Você ta bem?
- Estou, e você?
- Acho que sim... Eu vou sentir falta dela.
- Eu também, mas pelo menos eu posso vê-la todos os dias de novo... Pensando bem eu acho que só gosto do tempo nublado de dia.
- Por quê? Como assim vê-la todos os dias? - Arquiei as sobrancelhas
- Por que ela virou uma estrela agora, eu a vi ontem, era a que mais brilhava no céu, e as outras pareciam brilhar de volta para ela, ela devia ter contado uma piada por que elas pareciam estar rindo, e provavelmente dela e não da piada - nós rimos juntas.
- É... ela não era muito boa com piadas.
- E com o tempo nublado, não da pra ver as estrelas, então eu espero que fique assim só até o sol ir embora, e depois eu vou poder ver a mamãe de novo. - ela sorriu. E nesse instante eu percebi, ela iria ficar bem.
- É verdade, então é melhor nós torcemos os dedos, e contar até dez bem apertado pra poder realizar - Minha mãe dizia que se você desejava uma coisa era só fazer isso que acontecia, mas pelo visto não deve funcionar com a morte.
- Você tem razão, torce bem apertado Cat, até ficarem roxos - ela riu.
- Pode deixar.

Ficamos ali por mais algumas horas e depois entramos para tomar café, fizemos uma bagunça na mesa quando tentamos fazer um bolo, e a mãe da Clara nós fez ficar limpando a cozinha até a hora do jantar, e depois do jantar Aline dormiu e eu e Clara ficamos conversando até tarde como típicas adolescentes, mas como se aviso estivesse no ar, ela não tocou em nenhum assunto que envolvesse a palavra com "v", esse assunto estava permanentemente proibido.

E depois os dias seguiram normais, sem nada de especial, a mãe da Clara tinha assumido nossa guarda, e estavamos morando oficialmente com ela agora, no dia seguinte eu fui a escola com a Clara para refazer nossa matrícula, na semana seguinte já tinhámos voltado a escola, e assim a mesma rotina de sempre, ou quase, é claro que o buraco estava ali, nada de gritos da minha mãe de manhã - só os da mãe da Clara - nada daquele olhar dela quando tinha que me dizer não, mas não aguentava a minha carinha de cachorro molhado quando eu pedia algo, nada de tortas especiais, nada da canção de ninar - mas eu ainda cantava para Aline todas as noites -  enfim, nunca seria o mesmo, isso era óbvio, mas pelo menos estávamos nos saindo bem até agora, a Aline parecia estar feliz, e aquele rosto assustado enquanto dormia, com o tempo ia desaparecendo, e a tranquilade e paz voltaram, fazendo-a parecer um anjo.

Se passou um mês, dois, três... e assim por diante, estávamos quase no final do ano letivo, tinhámos por algum milagre conseguido nos recuperar nas matérias, e tinhámos boas chances de passar, durante todos esses dias não houve um sequer em que eu não tenha pensado nele, em que eu não tenha sonhado com o sorriso dele, com o som da sua risada, seu hálito frio sobre a minha pele, ou o seu beijo. Todos os dias se passavam lentamente, se arrastando como se cada segundo fosse um lembrete do que eu tinha perdido, da metade de mim que vagava por ai e que eu sabia que nunca conseguiria repor. Algumas vezes, eu via por um vislumbre uma sombra me observando, no começo isso estava trazendo o pânico a tona, me fazendo ficar alerta o tempo inteiro, e isso acabou comigo por um tempo, mas depois eu passei a me acostumar e depois ignorar, até que eu parei de perceber, ou eu percebia e interrava isso tão fundo que eu nem mesmo me dava conta. Henrique tinha me avisado que estaria vigiando, e não posso negar que ao mesmo tempo em que o pânico florescia, a esperança me rasgava mais forte, esperando que em um desses vislumbres eu pudesse ver o seu rosto novamente, mas com o tempo eu desisti, eu sabia que isso não iria acontecer e não havia motivo para ficar alimentando isso, era uma parte da minha vida que eu não podia voltar, e muito menos lembrar, então depois eu fingi me esquecer, de Henrique, do que eles eram, de todos, fingi a ponto de não enchergar vislumbres, e quando enchergava imaginar ser apenas um ser humano normal fazendo alguma coisa e assim por diante, Aline passou de ano como primeira da classe e nós tiramos tantas fotos que eu tenho certeza que a visão dela ficou embaçada por um tempo.

As coisas seguiam para o caminho que tinham de seguir, assim era vida, ela não para, ela não espera, ela segue seu curso como uma correnteza te arrastando junto com ela, te obrigando a aceitar o seu ritmo e a se acostumar com ele, mesmo quando muita das vezes você bata em uma pedra, e se rale nela, o rio continua seguindo, e limpando o sangue que escorre no caminho, cicatrizando, e arranhando de novo, um rio que eu sabia que logo iria despencar em uma cachoeira, e acabar, pelo menos para mim, mas todos os rios despencam não é mesmo? essa era a questão da vida, aproveitar a vista que o rio lhe proporcionava, antes de despencar.