segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Capítulo 7 - Gelo Derretido

Florence And The Machine - Cosmic Love

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Tirei as estrelas dos meus olhos
E, então, eu fiz um mapa
E sabia que de alguma maneira
Eu poderia encontrar o meu caminho de volta
Então eu ouvi o seu coração batendo
Você também estava na escuridão
Então, eu fiquei no escuridão com você

(Florence and the machine - Cosmic Love) 


Na manhã seguinte quando acordei, quase não sentia dor, apenas um leve desconforto ou alguma fisgada quando tocava ou ficava em uma posição errada.
Levantei, tomei um banho e depois de me vestir comi o café da manhã que estava servido em cima da mesa para mim -provávelmente minha mãe se encarregara disso.
Nesse intervalo Hevi apareceu em meu quarto e me disse que meu pai queria me ver. Eu fiquei um pouco nervosa, afinal Henrique e eu tinhamos um relacionamento intrigante, os dois com dificuldades para expressar sentimentos - o que eu provávelmente herdei dele, é uma ótima explicação -, os dois com dificuldade com as palavras, enfim éramos parecidos demais, o que tornava nosso relacionamento intenso, mas lento aos olhos das pessoas de fora.
Fui ao seu encontro - no seu escritório como sempre, as vezes parecia que ele nunca saia de lá.
Quando entrei uma sensação de familiaridade tomou conta de mim, quase tudo estava a mesma coisa, tirando alguns quadros que haviam sido substituídos e alguns livros que haviam sido acrescentados, o lugar era o mesmo, até o seu cheiro era o mesmo, o que era sem dúvida reconfortante.
- Oi Catarina, lamento ser o último a poder te encontrar, eu fui ao seu quarto ontem lhe ver a noite, mas você já estava dormindo e eu não quis despertá-la.- Eu não fazia ideia da saudade que sentia dele até vê-lo, ouvi-lo falando com toda a sua formalidade incoerente, ou talvez eu soubesse e apenas tenha enterrado com todo o resto, o que importa era que ele estava aqui agora e essa constatação fez brotar um lindo e largo sorriso no meu rosto, que claro eu só reparei quando pude ver outro nascendo no rosto de Henrique, definitivamente éramos como ímas, se um se aproximasse invariavelmente o outro iria se aproximar também, quando um recuava o outro recuava por instinto, mas os dois guardavam o desejo de se unir.
- Não se preocupe com isso pai, e como você está?
- Estou... Bem, as coisas estão correndo mais devagar do que eu esperava, então isso se mostra uma coisa boa. - Eu pude ouvir a frustração em sua voz, provávelmente causada pelo o estresse da guerra interminável com aquele bossal do Carlos.
- Problemas com Carlos claro. - suspirei - Pai isso nunca vai acabar? Quer dizer o que vocês precisam para isso parar? Para acabar com ele de uma vez por todas.
- Catarina as coisas não são simples assim, estamos em maior número claro, mas o Carlos tem mais bruxas em seu poder e com isso não podemos competir, não vou colocar toda uma ordem em risco sem uma porcentagem maior de ganharmos, não vou sacrificar vidas em vão, não sou o Carlos, esse é nosso povo, nossa espécie, temos de preservá-la, cuidar uns dos outros. - Ele passou as mãos pelos cabelos, claramente tenso com toda a situação - Todo o conselho da ordem está um caos, uns querem ir para guerra sem se importar com as consequências, acabar com isso de vez, outros querem esperar, continuar levando a situação na maneira que der, esperando por um deslize de Carlos, todos sabemos que ele é inteligente e ousado, mas por todos esse anos seu descuido tem sido constatado claramente, mas pode ser que quando ele cometa esse descuido já seja tarde demais para fazer alguma coisa, e enquanto estamos aqui Carlos está fazendo família reféns, seus soldados estão torturando civis inocentes, e fazendo coisas piores que não preciso comentar.
- O que eles estão fazendo? - perguntei apreensiva, a raiva e a fúria borbulhando dentro de mim.
- Houve relatos de sequestro, de estupro de jovens que ainda não passaram pela transição. Seus pais estão em cima da ordem e com razão, eu enlouqueceria se algo parecido acontecesse com você, isso já foi longe demais, Carlos não está mais em busca de poder para causar guerra, isso ele já tem, ele agora está apenas nos ensitanto a dar partida a ela, a ir para a batalha, ele sabe que está em vantagem e a cada relato fica mais difícil conter o conselho, e me conter ao mesmo tempo, não posso deixar que ele faça isso, que ele permita e pratique atos como esses a jovens inocentes que nada tem a ver com isso, não posso ficar de braços cruzados.
- Aquele bossal nojento! - minha respiração estava acelerada, meu coração batia rápido demais, a fúria e o ódio borbulhavam dentro de mim, de repente pela primeira vez eu pude tomar ciencia de uma consciência a mais, um lado obscuro por assim dizer, uma pequena voz na minha cabeça me dizendo para arrancar os olhos de todos eles e beber seu sangue, eu nunca havia tido nenhum instindo ou reação como essa, e por ser nova não pude controlar, ela incitava o ódio e o ódio queria sair, ele precisava sair, quando tive consciencia dos meus atos, eu já havia socado a parede e aberto um buraco nela. Henrique só ficou me encarando durante os segundos em que eu retomava o controle, no seu rosto a surpresa e a apreensão estampadas, como se de alguma forma ele já esperasse por isso. - Me desculpe, eu...Hã...Eu não posso acreditar que essas coisas estejam acontecendo. Ele não pode mais fazer mal as pessoas e ficar por isso mesmo!
- Eu sei Catarina, eu sei.. - ele disse completando com um suspiro.
- E o que você pretende fazer? Vocês tem um plano? Pai, você não pode ficar esperando pelo deslize dele, porque pode nunca vir, ou como você mesmo disse pode vir somente quando for tarde demais, eu sei que é perigoso e suicídio, mas precisamos fazer alguma coisa.
- Catarina... - sua voz soou mais cansada do que um dia eu já havia escutado - As coisas vão se resolver, em breve, eu não queria que fosse dessa forma, mas finalmente as bruxas anciãs decidiram tomar uma atitude e a decisão foi tomada.
- O que você quer dizer com isso? Que decisão?
- É complicado demais, você não entenderia meu amor, mas as coisas vão mudar em breve, logo logo estaremos marchando para batalha, espero eu que seja para vencer.
- Pai não sou uma menina indefesa de cinco anos de idade, então não me trate como uma, sou perfeitamente capaz de entender, claro, se você me explicar. Então vamos.. Que decisão? - Henrique me encarou por alguns segundos, provávelmente decidindo se eu era ou não capaz de entender e depois de algum tempo vendo a determinação estampada em meu rosto acabou cedendo.
- Existe um mito em nossa história que fala sobre "Helrens". O Helrem é um ser híbrido que pode nascer tanto das bruxas quanto dos vampiros e ele é escolhido pelas bruxas anciãs para depois da transição herdar poderes que somente elas conhecem, eles podem se comunicar com elas e ficar a par do futuro, os poderes do Helrem não tem limites, até hoje ninguém foi capaz de descobrir tudo o que eram capazez de fazer.
- Nossa, mas qual o problema? Afinal o que eles tem haver com a Guerra?
- O problema é que... Helrens não são muito estáveis, a questão é que..- eu nunca vi o Henrique lutar tanto com as palavras e não conseguia entender o porque disso. - As bruxas tem por natureza um instindo malígno e dependendo da bruxa é muito fácil ser corrompida por um demônio e se envolver com magia negra, o Helrem sendo um híbrio herda as características de ambas as partes, e isso é preciso por causa da balança, um ser tão poderoso não pode ser totalmente malígno, ou totalmente bom, o fato dele se tornar um híbrido e herdar essas características, só vai fazer intensificar as características dele, então se ele já for malígno definitivamente ele vai ser uma ameaça, mas se ele for bom ele pode ajudar muitas pessoas, a questão é ele saber conciliar tudo isso e ser forte para não ser corrompido e acabar cedendo para a ansia por sangue e morte.
- Então o que aconteceu foi que as bruxas anciãs já escolheram o helrem? Isso existe mesmo ou é só um mito?
- Existe, e sim elas já escolheram - ele falou de mal humor.
- Mas afinal quem são essas bruxas anciãs que pelo o que eu posso ver são as que mandam em tudo.
- As bruxas anciãs são as primeiras bruxas, agora elas são só espiritos poderosos encarregados de manter o equilíbrio no nosso mundo.
- Então deixa eu ver se entendi, vocês estão contando com esse ser poderoso para derrotar Carlos? E quem não garante que esse ser não nasceu com as bruxas que estão com ele, ou com qualquer outra pessoa que está do lado dele? Isso é algo que da para controlar, você pode escolher onde ele vai nascer?
- Sim, estamos contando com isso, é nossa última saída, a única forma de deter Carlos, e não isso não se pode controlar, as bruxas escolhem e só poucas pessoas nesse mundo sabem, só as bruxas mais fortes conseguem sentir quando a decisão é tomada, elas podem sentir a localização do Helrem e assim saber quem ele é antes que ele passe pela transição e fique claro.
- Então você já tem alguma ideia de quem foi que elas escolheram?
- Mais ou menos, mas isso não é assunto para ser tratado agora não é mesmo? Chega de guerra, de Carlos e de bruxas anciãs, já basta ter de tratar disso com todos do conselho, não quero ficar te importunando com nenhuma dessas preocupações, você veio para cá para descançar e é isso que você deve fazer agora. - Ao tocar no motivo de eu ter vindo para cá eu senti a necessidade de ser sincera com ele, claramente ciente que ele deveria saber do real motivo, só não quis me pressionar ou qualquer coisa do tipo.
- Pai... Você sabe o porque de eu vir para cá não é? - perguntei frustrada.
-Sei Catarina, mas esperava que você me esclarecesse isso melhor, para que eu possa entender realmente o que está acontecendo. O que a Clara disse foi muito pouco em consideração ao que eu imagino que esteja acontecendo, então você vai me dizer ou não?
- Como você imagina? Foi igual com você?
- A questão não é se foi parecido, a questão é que eu conheço você Catarina, você tem o instindo de guardar o que sente, provalmente é muito pior do que a Clara me contou, tenho certeza que isso já acontece a muito tempo e a Clara só descobriu agora porque você não pode mais controlar e não teve mais como esconder, estou errado?
- Pior que não, é que no começo eu pensei que fosse só uma gripe, e depois pensei que estivesse cansada demais, e somente depois eu fui percebendo que deveria ser a transição, mas então eu pensei na Aline e na mãe da Clara eu não poderia simplesmente vir para cá e... - eu parei abaxei a cabeça - a questão é que tudo era muito complicado e eu não sabia o que fazer, então decidi levar como dava, simples. - completei com um dar de ombros.
- Sofrendo pelos cantos? É isso? Eu esperava mais responsabilidade de você Catarina, mas tudo bem, me conheço o bastante para ter ciencia de quem você herdou isso. - ele bufou e sorriu torto.
Eu ri: - Por um minuto eu considerei a possibilidade de você não ter notado.
Ele sorriu e suspirou.
- Mas eu quero que você me conte os sintomas, para eu saber com o que eu estou lidando aqui filha.
- Hã.. Tudo bem. - Eu me sentei em uma das cadeiras de frente para sua mesa, o encarando. - Começou a uns quatro meses mais ou menos, eu não sei ao certo, hã... Nas piores noites eu acordava encharcada, tive perda de apetiti, perdi muito peso por causa disso, eu sentia uma exaustão assustadora na maior parte do tempo, dores de cabeça que foram se intensificando e acho que é só isso.
- Só isso? - ele riu sem humor - Típico. Tudo bem, nós vamos cuidar disso, vai ficar tudo bem.
Eu tentei sorri, para empedir que ele visse em meu rosto que eu não acreditava nem um pouco naquelas palavras.
Nós continuamos conversando sobre a vida no Brasil, colégio, meu desempenho em francês - e como eu tinha suspeitado, Katherine era fluente, por isso a minha facilidade -, nós falamos sobre a vida na ordem, e acabei descobrindo que Pedro não estava ali fazia seis mêses, ele partiu em uma missão para ordem, Henrique não disse qual e a expressão em seu rosto encerrava o assunto, continuamos falando sobre as pessoas, os acontecimentos, até que ele teve de sair para ir a uma outra reunião com o conselho e eu resolvi caminhar em volta da mansão, dar uma olhada no carvalho, enfim qualquer coisa que me desse vontade, eu só precisava andar, a exaustão estava me tomando de novo e eu não podia diminuir o ritmo se não adoeceria.
Quando estava quase contornando a mansão indo para parte de trás, logo a frente me deparei com o prédio da ordem - onde ficavam todos os vampiros -, esse prédio era bastante afastado e lá era onde ficava também os campos de treinamento e sei lá mais o que, e eu também não queria saber, posso estar na ordem, mas vampiros são vampiros e eles sempre se metem em assuntos arriscados e estressantes demais.
Antes de sair do campo de visão do prédio pude ver a figura de Flávio ao longe, assim que ele me viu veio em minha direção.
Em um piscar de olhos - como sempre - ele estava parado na minha frente.
- Oi meu raio de sol - seu sorriso foi de ponta a ponta e confesso que causou uma pequena turbulência no meu estômago, que mais uma vez não deveria acontecer.
- Você e suas tentativas banais de ser um fofo cavalheiro, eu disse uma vez e irei repetir, pare de tentar Flávio isso não combina com você. - eu disse rindo.
- E o que combina comigo? - ele arqueou as sobrancelhas.
- Eu não sei, algo como aqueles vampiros assustadores que bebem sangue de meninas inocentes em becos escuros - eu disse fazendo uma imitação barata de suspense na voz.
Ele gargalhou: - E você se coloca na categoria de menina inocente?
- Não se você for me perseguir.
- Meu anjo eu perseguiria você de qualquer forma - ele sorriu
- Eu sei você é meu admirador, só por favor não dê uma de fã do John Lennon, não to afim de morrer agora, toda aquela coisa de "se ela não for minha, não vai ser de mais ninguém" já está passada não acha?
Ele riu: - Fique tranquila, eu não tenho que me preocupar com isso.
- Ah não? - eu disse rindo - Por quê?
- Simples, uma vez que você for minha, não vai querer ser de mais ninguém. - Quando ele disse isso seus olhos me penetraram de tal maneira que eu corei no mesmo instante. - Adoro essa cor no seu rosto.
Desviei os olhos rapidamente olhando para baixo e voltando a andar.
- E ai, como está a programação de hoje?
- Corrida, todos estão lidando com os preparativos da comemoração de Welreny.
- Eu deveria saber o que é isso?
- É uma passagem tradicional dos vampiros, do outono para o inverno, nós comemoramos isso a milênios, Hevi e sua mãe tem esperanças de que essa comemoração de alguma forma alivie um pouco a tensão, mas eu duvido muito.
- Não tem como cancelar isso? Quer dizer tem pessoas morrendo e nós vamos dançar enquanto isso acontece? - bufei - típico.
- Catarina são nossas tradições, temos poucas leis e crenças em nosso mundo, mas as que temos são seguidas não importa como.
- Tudo bem, que assim seja - eu disse de mau humor.
- Adoro quando fica irritada, falando nisso tenho uma surpresa para você.
- Eu deveria sentir medo ou estou segura?
Ele bufou: - Você voltou mais sarcástica do que o normal.
- Eu to bem assim.
- Venha, pare com toda esse graça e siga-me!
- Estou bem atrás de você.
Ele se virou pegou minha mão e começamos a caminhar, eu confesso que meu coração deu uma guinada e eu espero sinceramente que ele não tenho ouvido.
Ele me levou em direção a floresta, eu não sei o que ele pretendia, mas nem morta eu iria entrar ali, quando estamos quase a beira do início da floresta eu parei. Ele me olhou sobressaltado.
- Algo errado?
- Eu... Desculpa, o que nós vamos fazer ai? - eu perguntei apreensiva.
- Nada demais, eu só tenho uma surpresa, vem vamos.. - ele tentou me puxar, mas eu não sai do lugar - Qual é Catarina, vamos vai ser bom, eu prometo, é rápido! - Eu engoli em seco, eu não podia entrar ali, eu não me dou bem com florestas desde pequena, são como aquelas fobias, uns tem medo de altura, outros de nadar, e eu de florestas ué, completamente normal, pelo menos era o que eu me dizia. - Por favor! - vendo que eu não sairia do lugar, ele parou na minha frente e pegou meu rosto com as mãos delicadamente me olhando profundamente nos olhos - Qual o problema? - eu fiquei um pouco perdida confesso, por um minuto eu tinha esquecido todo o drama da floresta, mas então eu recobrei o juízo.
- Eu.. Desculpa, eu não posso eu tenho que fazer outra coisa, mas depois eu prometo que venho com você! - eu tentei sorrir, mas acho que não me sai muito bem.
- Você menti muito mal Catarina, mas qual o problema? Você não está com medo está? Pelo amor de deus aqui é a ordem, e ainda que não fosse, eu estou com você, acho que sirvo para alguma coisa.
- Não é isso, é só que.. Eu realmente não posso.
- Do que você tem medo?
- Eu não sei dizer, desde pequena eu não gosto de florestas, alguns tem medo de altura eu só não gosto de florestas e isso é COMPLETAMENTE NORMAL!
- Tudo bem eu não to dizendo que não é, relaxa! Isso respira fundo... Pronto - ele pegou minha mão e ficou fazendo circulos com o dedo - Olha o que você acha de vencermos isso hoje hein? - eu comecei a balançar a cabeça em negação e ele fez um "shiu" para mim - Você confia em mim Catarina?
- Sim, mas..
- Shiu! Pronto era só isso que eu precisava saber, agora me da sua mão, pode apertar bem forte, e nós não vamos longe, vamos só andar pela beirada e se você achar que consegue entrar mais, nós vamos entrar aos poucos o que você acha?
Eu respirei fundo, tudo bem, já estava na hora de vencer esse medo futil. Ok. Lá vamos nós.
Segurei a mão de Flavio com toda a minha força, respirei fundo e caminhei em direção a todas aquelas plantas e árvores com sombras disfarçadas.

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